Uma formação docente “(des)conhecida”: o pedagogo hospitalar

A sociedade do conhecimento vive uma época de grandes transformações. Modificam-se modelos que sustentam as práxis de variados atores e, consequentemente, instaura-se a necessidade de ressignificação de teorias e ações. O processo de ensino-aprendizagem, incluídas aí, todos os ângulos que o constituem e o tangenciam, não escapa a essa revisão paradigmática.

 Em especial, Goergen (1998) lembra que a educação é o elemento chave para permitir materializar a esperança de uma sociedade onde a democracia e a participação, cada vez mais efetivas, possam garantir uma melhoria tanto do indivíduo quanto da sociedade. Assim, se a busca de qualidade social depende da escola, inegavelmente é da atuação de bons professores que depende uma boa escola. Nesse sentido, cada País, respeitado o seu contexto e o momento da dinâmica de sua inserção em um mundo cada vez mais plural precisa desenvolver suas próprias estratégias de desenvolvimento e de atendimento e promoção de projetos/programas educacionais cada vez menos estimuladores da discriminação e dos preconceitos. O equilíbrio entre as tendências globais e locais “da vida individual e societária” é um dos maiores desafios a ser enfrentado considerando-se a necessidade da garantia de uma identidade própria em termos da definição de prioridades ou de enfoques (em especial) para os processos de formação de professores assim como de alternativas de atendimento às necessidades mais amplas.

Num contexto onde as funções e papeis da escola são questionados em sua efetividade, busca-se redimensionar os requisitos e perfis do professor para responder às novas demandas e dimensões da educação em geral e do ensino, em particular. Nessa perspectiva, ações têm sido desenvolvidas no sentido de encontrar um ponto de equilíbrio entre a formação de professores, a pratica educativa escolar, a dinâmica do mundo moderno e a busca de um mundo melhor.

Face à complexidade do campo de intervenção pedagógica, Zabala (1998) chama a atenção para a importância de uma visão interdisciplinar da prática docente, para necessidade de um aprofundamento sobre as questões relacionadas à função social do ensino e do conhecimento de como se aprende. Tais formulações pontuam como essencial às propostas de formação de professores, o ultrapassar (no âmbito educacional) a desconfiança em relação às contribuições de outras áreas do conhecimento e a ideia preconceituosa da escola como único espaço educativo. (É preciso esclarecer que tais ideias povoam o universo simbólico-representacional de diferentes atores ligados à área da educação e podem ser identificados/predominam nos discursos aí produzidos).

Para este autor, o objetivo da formação de professores não pode ser a busca de uma “fórmula magistral” que resolva todos os problemas, mas, sim, oferecer oportunidades de aprendizagem que favoreçam o conhecimento do conhecimento e uso de marcos teóricos interdisciplinares com vistas a uma intervenção pedagógica menos rotineira e preconceituosa. 

Nas Diretrizes para o curso de Pedagogia no seu artigo 5º que relata sobre o que o egresso do Curso de Pedagogia deverá estar apto:

IV – Trabalhar, em espaços escolares e não escolares, na promoção da aprendizagem de sujeitos em diferentes fases do desenvolvimento humano, em diversos níveis e modalidades do processo educativo;

Em 2002 o Ministério de Educação e Cultura (MEC), publica o documento “Classe Hospitalar e atendimento pedagógico domiciliar: estratégias e orientações” (BRASIL, 2002) que trata dos aspectos da normatização e implementação das classes hospitalares no Brasil e da integração entre os sistemas de saúde e educação. 

No ano anterior a Resolução do Conselho Nacional de Educação, CNE/CEB número 2/01, que institui as Diretrizes Nacionais para Educação Especial a Educação Básica, trata as especificidades do atendimento pedagógico hospitalar:

Art.13. Os sistemas de ensino, mediante ação integrada com os sistemas de saúde, devem organizar o atendimento educacional especializado a alunos impossibilitados de frequentar as aulas em razão de tratamento de saúde que implique interação hospitalar, atendimento ambulatorial ou permanência prolongada em domicilio (BRASIL, 2001, p.4).

Essa mesma Resolução ressalta-se o objetivo das classes hospitalares:

§ 1. As classes hospitalares e o atendimento em ambiente domiciliar devem dar continuidade ao processo de desenvolvimento e ao processo de aprendizagem de alunos matriculados em escolas da Educação Básica, contribuindo para seu retorno e reintegração ao grupo escolar, e desenvolver currículo flexibilizado com crianças, jovens e adultos não matriculados no sistema educacional local, facilitando seu posterior acesso à escola regular.

Apesar desses documentos que garantem ao aluno hospitalizado o seu direito a escolarização, fica claro que a legislação ainda é desconhecida por grande parte das Unidades Escolares do Brasil e dos próprios Hospitais.

 A Pedagogia Hospitalar é um ramo da Pedagogia que vem sendo adotada por instituições que se preocupam em atender uma demanda que estar afastada em virtude de sua enfermidade.

 Segundo Matos e Mugiatti (2008 p.37) Pedagogia Hospitalar é:

Um processo alternativo de educação continuada que ultrapassa o contexto formal da escola, pois levanta parâmetros para o atendimento de necessidades especiais transitórias do educando, em ambiente hospitalar e/ou domiciliar. Trata-se de uma nova realidade multi/inter/transdisciplinar com características educativas

Esse campo de trabalho ganhou força a partir de alguns movimentos. O primeiro, embasado no fato de a Constituição Federal estabelecer o direito de todos à educação e saúde, e esses não são direitos que se opõem, mas se completam. Então, não é porque uma criança se encontra doente que ela tenha perdido a capacidade de aprender. É preciso evitar que a criança sofra duplamente, pelo seu estado de saúde e pelo seu distanciamento do seu mundo, sua rotina, suas atividades, seus amigos.

As atividades lúdicas, no processo de recuperação, têm sido valorizadas como tentativa de superação da angustia e ansiedade frequentes no processo de internação e que podem comprometer o desenvolvimento da criança e o próprio restabelecimento da saúde. Por esta razão, em nosso país, desde 2005, a Lei Federal 11.104/05 tornou obrigatório nos hospitais com internação de crianças, a criação de brinquedotecas. Esse espaço deverá contar com Pedagogos e brinquedistas para a elaboração e desenvolvimento de atividades apropriadas a cada faixa etária.

No desenvolvimento dessas atividades no contexto hospitalar é fundamental que o Pedagogo atue articulado com uma equipe multidisciplinar e que se dedique a conhecimentos de áreas como Psicologia, Serviço Social, Enfermagem para desenvolver uma ação docente que segundo Matos e Mugiatti (2008), provoque o encontro entre educação e saúde. 

O pedagogo hospitalar pode promover ações educativas junto às diversas possibilidades no hospital, com vistas ao bem-estar completo, isto é, físico, mental, social, educacional. Ele pode desenvolver ações que atendam por meio de equipes de multiprofissionais a estas necessidades, integrando educação e saúde, visando assim, ao melhor atendimento para as pessoas que ali se encontram nesse momento. 

Surgimento da Classe Hospitalar

A classe hospitalar não é um fato recente na história da educação. De acordo com autores da área a Classe Hospitalar teve seu inicio em 1935 em Paris liderada por Henri Sellier. Seu exemplo foi seguido por outros países europeus e, inclusive, adotado nos Estados Unidos para o atendimento de crianças com tuberculose. Em 1939, é criado em Suresnes, cidade periférica de Paris, o CNEFEI (Centro Nacional de Estudos e de Formação para a Infância Inadaptada) tendo o objetivo de preparar professores para atuarem em hospitais e em institutos especiais, pratica que continua cumprindo até os dias atuais. Nesse mesmo ano, o Ministério de Educação da França cria o cargo de Professor Hospitalar. 

No Brasil essa pratica educacional iniciou-se em 1950, com a classe hospitalar no Hospital Jesus, localizado no Rio de Janeiro, porém há registros que em 1600, ainda no Brasil Colônia, havia atendimento escolar aos deficientes físicos na Santa Casa de Misericórdia em São Paulo. Essa modalidade de ensino só foi reconhecida em 1994 pelo Ministério da Educação e do Desporto (MEC) através da Politica da Educação Especial, e, posteriormente normalizado entre os anos de 2001 e 2002 com os documentos, também do MEC, intitulados de: Diretrizes Nacionais para Educação Especial na Educação Básica (BRASIL, 2001) e Classe Hospitalar e atendimento pedagógico domiciliar: orientações e estratégias (BRASIL, 2002).

Para não concluir

Alguns elementos podem contribuir para a ampliação e aprofundamento do tema apresentado neste texto, dentre eles destacam-se: É necessário inserir esse conteúdo (Classes Hospitalares) nos Cursos de Formação de professores e de Pedagogia, se possível, na disciplina Educação Especial/Inclusiva ou nas disciplinas eletivas. Ainda existem muitas dúvidas sobre essa modalidade de educação. A imprecisão conceitual e o desconhecimento, sobretudo da Educação e da Saúde. Confunde-se atendimento pedagógico hospitalar com projetos e programas de humanização. Esse “equivoco” segundo Arosa e Schilke (2011) seria negar o direito de todas as crianças a terem acesso ao saber e deixar essa modalidade da educação sem a interferência direta do Estado Brasileiro delegando a sociedade civil e das políticas públicas privadas a incumbência da sua implementação. Aqui não estamos negando a importância dessa atuação, porém é necessário que se regulamente as formas de atuação dessas entidades.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS:

AROSA, Armando C.; SCHILKE, Ana Lúcia. A Escola no Hospital: espaço de experiências emancipadoras. Niterói: Intertexto, 2007. 

AROSA, Armando C; SCHILKE, Ana Lúcia. Classe Hospitalar: espaço de educação escolar e processos educativos formais, não formais e informais. X Congresso Nacional de Educação – EDUCERE. Curitiba, 2011.

BRASIL, Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação Especial. Classe Hospitalar e atendimento pedagógico domiciliar: estratégias e orientações. Brasília, 2002.

BRASIL, MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E DO DESPORTO. SEESP. Diretrizes Nacionais para a educação especial na educação básica. Brasília, MEC/SEESP, 2001.

FONSECA, E.S. “Classe Hospitalar: ação sistemática na atenção às necessidades pedagógico-educacionais de crianças e adolescentes “hospitalizados” in: Temas sobre Desenvolvimento, v.8, n.44, p.32-37, 1999”.

FONSECA, Eneida Simões. Atendimento Escolar no Ambiente Hospitalar. São Paulo: Memnon. 2003.

LIBÂNEO, José Carlos. Pedagogia e Pedagogos: para quê? São Paulo: Cortez, 2002.

MATOS, Elizete Lúcia Moreira. Muggiati, Margarida Maria Teixeira de Freitas. Pedagogia Hospitalar. Editora Champagnat. Curitiba, 2008.

ORTIZ, Leodi Conceição Meireles. Construindo Classe Hospitalar: relato de uma prática educativa em clinica pediátrica. Revista Reflexão e Ação, v.8, n 1, p.93-100, jan/jun. 2000.

PIMENTA, Selma Garrido e ANASTASIOU, Léa das Graças Camargos. Docência no Ensino Superior. São Paulo: Cortez, 2008. 3.ª edição

ZABALA, Antoni. A Prática educativa: como ensinar. Porto Alegre: Artmed, 1998.

 


 Tyara Carvalho de Oliveira – Pedagoga formada pela UERJ, Especialista em Gestão em Saúde (UNESA), Educação Inclusiva(UCAM), em Pedagogia Hospitalar (UGF), em Direito Educacional ( FIJ). Psicopedagoga Clinica e Institucional e Neuro psicopedagoga ( UCAM), mestranda em Educação da UFRRJ

Ex- professora da Classe Hospitalar do Hospital Geral de Nova Iguaçu/RJ

Orientadora pedagógica da rede pública no município de Duque de Caxias/RJ

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