Uma atividade para aula (muitas aulas…) de música
Questão inicial
Todas as pessoas nascem com o mesmo grau de Inteligência musical? Como foi apresentado na palestra da Professora Cíntia Borher, no 4 Encontro Nacional de Educadores, de acordo com a teoria das “Inteligências Múltiplas” de Howarg Gardner, não. Apenas 16% da população têm este tipo de inteligência mais aguçada. Portanto, ao propor e desenvolver uma atividade musical na sua turma, leve em consideração a capacidade nata desses 16%, mas também considere as necessidades dos outros 84%, senão sua ‘aula’ vai se tornar um momento de grandes desentendimentos e frustrações.
Além do que, me parece que uma atividade musical em sala de aula tem como principal objetivo apresentar principalmente para estes 84% – sem excluir os 16% – como esta ‘inteligência’ se organiza e se combina com outras capacidades para permitir ao ser humano solucionar problemas, criar produtos e ideias.
Atividade proposta:
Música lúdica “Fui Passear no Jardim Botânico”
Comentários a respeito da música para referência do professor – origem (época) ou registros de utilizações (objetivos) anteriores da mesma música.
Brincadeira musical tradicional brasileira (domínio público – participei várias vezes desta brincadeira quando criança) que propões e contextualiza a realização de tarefas e desafios simples. Descrição da brincadeira registrada no livro “Montes Claros, sua história e sua gente”, de Hermes de Paula – 1958, melodia gravada em LP/CD pelo Antônio Nóbrega e pela Bia Bedran – onde o ‘Jardim Botânico’ é substituído por ‘Jardim Celeste’. Podem existir outros registros e variantes que não conheço. Na cidade do Rio de Janeiro, no século XIX, esta brincadeira era associada a um passeio no Jardim Botânico a convite da família Imperial (informação obtida em entrevistas realizadas durante minha pesquisa de campo).
Importante que o professor preste atenção durante seu planejamento em relação a:
- Toda atividade pedagógica de escuta musical realizada com crianças (ou mesmo adultos), de qualquer idade, deve ter uma aplicação concreta que relacione a percepção sonora com algum produto. Em sala de aula, o professor deve evitar o ‘ouvir por ouvir’, simplesmente. Permita que esta vontade de ‘deleite musical – ouvir por ouvir’ parta individualmente de seus alunos em situações espontâneas.
- Minhas sugestões a seguir devem apenas servir de apoio para que cada professor, de acordo com sua realidade (faixa etária, questões culturais pertinentes, recursos, etc.) planeje suas aulas. As questões abordadas, redigidas em forma de perguntas, não são sugestões de perguntas para que estas sejam feitas aos alunos, são perguntas para que o professor crie maneiras de apresentar estas questões para sua turma. Eu considero estas ‘perguntas’ como o conteúdo a ser enfatizado e não como um recurso para apresentação de conteúdos.
Apresentar a melodia “Fui passear no Jardim Botânico” (ou apresentada diretamente pelo professor cantando e tocando, ou apresentada em CD, ou computador, ou DVD, etc.)
Pelo fato de ‘criar desafios’, ou propor a ‘realização de tarefas – em grupo’, esta melodia, quando utilizada em um processo pedagógico, normalmente é tida com objetivos de desenvolver a coordenação motora (para realização das tarefas propostas – normalmente relacionadas com o abaixar, levantar, pular, correr, andar muito devagar, desviar, se proteger, se esconder, etc.), a disciplina (se organizar para atingir o objetivo pedido), a atenção (concentração e foco na resolução de questão específica pretendida), a integração entre alunos (resolução dos problemas em grupo, ajudar ao colega a encontrar soluções), a observação, etc. Também pode ser associada a apresentação de conteúdos (o que é um jardim botânico? Como é – e como foi criado – o Jardim Botânico do Rio de Janeiro? Quais as possibilidades de desafios podem se encaixar num passeio pelo Jardim Botânico? Quais animais e plantas (fauna e flora) existem naturalmente no Jardim Botânico?
Letra
Fui passear no jardim botânico, geroflê, geroflá
Fui passear no jardim botânico para te encontrar.
Mas no caminho tinha (xxx), geroflê, geroflá
Mas no caminho tinha (xxx) para te encontrar.

Proposta básica
No início todos cantam a primeira estrofe e passeiam pelo jardim botânico. Depois de repetida a música pelo menos uma vez, esta é interrompida e alguém (o grupo decide como escolher o primeiro a exercer esta função) inicia a segunda estrofe – apresentando um desafio a ser enfrentado pelos demais participantes, que devem fazê-lo sem perder a postura inicial. Canta-se esta segunda estrofe pelo menos duas vezes, retorna-se à primeira estrofe, desfazendo a dificuldade. Cria-se uma terceira estrofe propondo um novo desafio. O processo se repete indefinidamente.
Desenvolvimento
O proponente da brincadeira sugere uma postura para iniciar o ‘passeio’. Logo após, começa a cantar “Fui passear…”. Todos realizam o passeio conforme a postura sugerida. Ao cantar o “te encontrar”, ele escolherá aquele que cantará a segunda estrofe, sugerindo a dificuldade encontrada durante o passeio e apresentada no momento dos (xxx) da letra acima.
Exemplo
O proponente sugere a postura inicial da brincadeira – imitar a família real realizando o passeio matinal no jardim botânico – e começa a cantar “Fui passear…”. Enquanto canta, todos passeiam, procurando representar a postura escolhida (ou seja, imitando uma família real – reis, rainhas, príncipes, princesas, nobres, criados, solados, animais de estimação, etc.). Ao cantar o “te encontrar”, este proponente escolherá aquele que cantará a segunda estrofe, sugerindo a dificuldade encontrada pela família real no seu passeio. Dependendo do combinado, pode-se ou não cantar a primeira estrofe novamente, para que o escolhido tenha tempo de pensar em uma situação. Segue-se a brincadeira com este escolhido (o apontado pelo ‘te encontrar’) cantando a segunda estrofe: “mas no caminho tinha UMA LAGARTA, geroflê, geroflá, mas no caminho tinha UMA LAGARTA, para te encontrar”. Todos, mantendo a postura inicial, ou seja, a pose de família real, passam a reagir à LAGARTA imaginando como seria a reação de alguém da família real ao se deparar com uma lagarta ou como seria a postura desta lagarta. Este participante determina o fim da ação de ‘se relacionar com a lagarta’ quando canta novamente a primeira estrofe – todos voltam ao passeio reassumindo a postura inicial. Ao cantar o ‘te encontrar’ desta primeira estrofe, escolhe-se o próximo a criar o desafio. A brincadeira se desenvolve repetidamente, por tempo indeterminado.
Contudo… poderia ser esta atividade, assim descrita, considerada como uma atividade MUSICAL? Será que o fato de usar a música como RECURSO PEDAGÓGICO para se chegar a outros objetivos, caracteriza uma atividade musical? Quais questões musicais e seus objetivos específicos poderiam acontecer nesta mesma atividade? A meu ver, a primeira questão a ser levada em conta pelo professor ao fazer o seu planejamento, é observar objetivamente a diferença entre a letra da música e a música.
Algumas sugestões simples para um trabalho ‘musical’ utilizando a mesma (e outras) música.
1 – Realização da sondagem e preparação para a atividade (realizada antes da apresentação da música para a turma)
- Quem tem em casa algum brinquedo que faz barulho? Converse. Descreva. Fale a respeito;
- Quem tem em casa um instrumento musical?
- Quem sabe cantar? – pedir exemplos práticos;
- Quem sabe tocar algum instrumento musical? – pedir exemplos práticos;
- Qual é o barulho mais forte que a gente escuta aqui na escola?
- Qual o som do programa de televisão que você mais gosta?
- Onde você ouve música?
- Explicar para a turma o que você acha que é música; e
- Vamos ouvir uma música?
2 – Alguns dos objetivos que podem ser alcançados em atividades de ‘ouvir sons’ (considerar algumas destas possibilidades ao planejar a atividade)
- Percepção sonora seletiva: qual é este som? Qual é o outro som?
- Percepção sonora espacial: de onde, de qual lugar, vem o som?
- Concentração: focar atenção na percepção de estímulos sonoros;
- Organização de informações: descrever, selecionar, direcionar e registrar as percepções sonoras;
- Associação de informações: dentro/ fora, forte/fraco, quem ou o que produziu este som;
- Atribuição de significados / construção de memória afetiva sonora: ‘Este som me lembra…’, ‘O que eu sinto quando ouço este som?
- Criação de novas informações / ações / sensações: a partir de combinações de sons e outras interpretações de um mesmo som (composição sonora).
3 – Atividades preparatórias para uma ‘escuta musical. Se a turma ainda não sabe ‘ouvir’, é importante ao apresentar uma música ‘pronta’, chamar atenção de alguns elementos.
- Quais os barulhos que estamos ouvindo neste momento? (imitar ou descrever / relacionar);
- De onde (qual fonte sonora) vêm estes barulhos? Voz, instrumento musical, CD, rádio, televisão, computador, coisas, animais, etc.;
- Quais os barulhos que ouvimos ontem, quem se lembra de algum em especial? (imitar ou descrever / relacionar);
- Quais barulhos que estamos ouvindo aqui perto – dentro da sala, por exemplo – ou na sala ao lado;
- Quais barulhos que estamos ouvindo ao longe – fora da sala, por exemplo – ou fora da escola, na rua;
- Quais barulhos são fortes? São fortes por estarem próximos?
- Quais barulhos são fracos? São fracos por estarem afastados?
- Onde são criados os barulhos (quem ou o que está produzindo o barulho)?
- De quem é esta voz?
- Organizar os sons relacionados por dentro /fora – perto/longe;
- Organizar os sons relacionados em feito por gente, feito por animal, feito por coisa;
- Organizar os sons em fracos e fortes (barulhão / barulhinho – associar ao ‘longe / perto’); e
- Este som que estou ouvindo me lembra…
4 – Sugestões de atividades como orientação para a escuta musical da melodia em questão (levando em conta apenas o som musical específico e não o som do entorno – atividade anterior)
- De onde (qual fonte sonora) vem esta música (voz, instrumento musical, CD, rádio, televisão, computador, etc.)?
- É só cantada?
- Existem outros ‘barulhos’ na música que não seja a voz? Fale a respeito destes barulhos;
- Quem já conhecia esta música?
- Quem gostou?
- Esta música me lembra…;
- Esta música dá vontade de (dormir, dançar, correr, gritar…);
- O que eu senti quando ouvi esta música?
- Esta música se parece com outra música que eu conheço? Por quê? Onde estão as semelhanças e as diferenças?
5 – Abordando outros aspectos musicais
- Vamos fazer de conta que nós estamos tocando: os alunos imitam com mímica (sem som) a ação original (real ou imaginária) feita para apresentar a música (no caso do exemplo, imitam o professor cantando e tocando);
- Desenhar livremente ao som da música. Descrever o desenho e relacioná-lo com a escuta sonora;
- Participar do fazer música (tocar – usando qualquer tipo de fonte sonora – ou cantar) junto com a fonte original;
- Utilizar a música como elemento condutor para realização de outra atividade (por exemplo, usar a música para o jogo dança das cadeiras);
- Cantarolar a música com sua voz, sem cantar a letra. Usar a voz cantando ‘lá, lá, lá’;
- Criar uma atividade para ‘aplicação’ desta escuta. Por exemplo: depois de trabalhada a música, fazer um teatro de sombras onde a música (sem letra) seja usada como trilha sonora. Por exemplo, aproveitar os ‘desenhos livres’ para criar personagens e uma história e organizar um ‘roteiro’.
6 – Explorando a música com letra, objetivando a musicalidade da palavra (sem levar em consideração as informações objetivas inerentes ao conteúdo literário / poético. Ou seja, deixar claro que a LETRA pode ser completamente independente da música)
- Cantar variando a voz (intencionalmente)
- Imitando sons de animais: como o boi canta esta música? O carneiro? O cavalo? O cachorro?
- Imitando voz de personagens: como o pai canta esta música? A mãe? O professor? O diretor? O porteiro? O guarda de trânsito?
- Imitando voz de pessoas: como um bebê canta esta música? E um homem? E uma Mulher? E uma pessoa bem velhinha?
- Imitando estados de espírito: como uma pessoa triste cantaria esta música? Uma pessoa alegre? Uma pessoa com muita pressa? Uma pessoa com raiva? Uma pessoa como sono?
- Cantar variando a voz (usando um recurso externo para modificação da voz)
- Cantar com a boca fechada;
- Cantar com os dentes cerrados;
- Cantar com a mão tapando a boca;
- Cantar tapando o nariz;
- Cantar com a boca aberta o tempo todo;
- Cantar com um copo (ou lata) na frente da boca.
Deixo aqui essas sugestões de conteúdo, mas são apenas sugestões. Não deixe que este se perca com a realização de uma atividade mecânica e desinteressante aos seus alunos. Adapte e retire daqui o que lhe valer para criar uma aula, atividade ou projeto que encante suas crianças e que as estimulem a querer mais e mais….
Joaquim de Paula nasceu em Montes Claros (MG) em outubro de 1954. Na FUNM (Montes Claros) fez o curso superior de matemática e no CBM (Rio de Janeiro), fez o curso superior de música e especialização em Educação Musical. No GMEB (Bourges/França) fez especialização em composição – música eletroacústica.
Compositor, professor, escritor e músico, é autor de várias trilhas sonoras para teatro e cinema, lançou um LP, dois CDs, dez livros e montou cinco peças de teatro de sua autoria. Desde 1980 tem se dedicado ao estudo, pesquisa, adaptações e desenvolvimento de temas brasileiros criando, a partir destes várias propostas pedagógicas, espetáculos, oficinas e eventos variados. Com este material realizou apresentações, encontros, cursos e palestras por todo o Brasil.
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