Tia Benedita: Uma Homenagem (e uma reflexão sobre a postura das escolas mediante a diversidade e inquietação dos estudantes)

Estudei minha vida toda em escolas particulares e religiosas, agradeço muito por ter tido esse privilégio. Foi a maior herança que minha família me deixou, mesmo que naquela época eu não acreditasse em tal fato e demonstrasse o contrário. Confesso que hoje, imagino, na cabeça dos meus pais devia passar: “Essa menina não vai dar nada na vida”. Confesso que não dei talvez o que eles quisessem de mim. Mas sou uma Professora-educadora com brilho nos olhos que ama o que faz e busca apreender todos os dias! Embora ainda hoje eu encontre “Mestres” que tentam me convencer do contrário, começando pelas suas próprias posturas!

Revisitando: Eu sempre fui uma menina diferente do dito “normal”, detestava brincar de boneca, adorava jogar bola, colecionava estilingues, trocava figurinhas de time de futebol, tinha várias chuteiras e camisetas de times de futebol! Nem por isso sofri bullying, fui perseguida ou me senti diferente, até porque eu não dava ouvidos ao que não me interessava, creio ser por isso, eu vivia sendo colocada para fora da sala de aula: “Não escutava o que não me interessava”, fato este que permanece até os dias atuais.

Passei sete anos da minha vida escolar cumprindo castigos fora da sala de aula, já que, pelo menos duas vezes por semana, eu era gentilmente encaminhada para a biblioteca da escola (lugar de cumprir meu castigo). Ao meu lado, uma disciplinadora me conduzia por aquele longo corredor, sem poder correr… (rsrsr) minutos depois, a disciplinadora me entregava à querida Tia Benedita (a Bibliotecária), que me recebia com um sorriso cuidadoso, que deixou marcas positivas até hoje.

Desde aquela tenra idade, meus professores não davam conta de mim, digo desde, pois até hoje não dão. Segundo ainda escuto hoje, sou “rebelde” questionadora, indisciplinada e, quem sabe, “burra”, já que fujo de uma forma. Boa parte dos meus castigos na infância era: ler, ler, escrever e tocar triângulo na aula de música, ou mesmo fazer argila como técnica de acalmar.

Revisitando minha memória afetiva, hoje me pergunto: Quantas Beneditas estão nas escolas recebendo seus alunos “anormais”?
Eu me recordo, como se fosse hoje, toda vez que eu chegava na porta daquela enorme biblioteca da minha escola, eu olhava para tia Benedita, que com seu sorriso fazia-me sentir a pessoa mais importante e amada. Benedita era linda, moça, pele negra, um lindo sorriso e muito inteligente, aquilo me deixava nas nuvens!

Ela já dizia: Entra Paty e nada de tristeza, venha ver o livro que separei, ele é um sonho… e assim foi, ano a ano; a cada “castigo” um novo livro, uma nova história,um novo sonho; uma porta que se abria quando todas as janelas escolares pareciam se fechar. Tia Benedita me abria o mundo e nem sei se ela soube disso.

Hoje sou uma leitora voraz, curiosa em descobrir o mundo em cada página, inquieta como sempre, meio “fora da casinha”. Não sou do tipo padrão intelectual, mas, apesar de tantos castigos e rótulos, sobrevivi e adoro estudar, aprender e compartilhar.

Só tenho a agradecer, sempre tive possibilidades, mesmo que difíceis. Aprendi naquela época que eu teria que decidir quem eu queria ser ou deixaria que os outros determinassem quem eu seria. E foi ali, com a Tia Benedita, que aprendi e decidi que eu seria incompleta (sempre), ou seja, jamais estaria pronta e fechada: “já aprendi tudo o que eu deveria”! Jamais. A educação mudou; A família mudou; O mundo mudou, girou, transformou, andou, voltou… Alunos e professores continuam em salas de aula, bonzinhos – silenciados ou quando barulhentos logo são encaminhados. A questão é a qual (ais) BENEDITA (S)?

Hoje, tarde de domingo, após trinta e seis anos, aqui estou eu, lendo e escrevendo… lembrando da Tia Benedita.

Hoje ninguém mais me coloca de castigo, mas confesso que a Tia Benedita fez a diferença em meus “castigos” está em cada linha que leio e que escrevo, seu sorriso, seu cuidado, seu carinho, sua condução verdadeira: Uma mestra que me ensinou a arte de rever minhas dificuldades e a lidar com elas.

Deixo aqui apenas uma reflexão final-inicial para cada um de nós: Enquanto professores estamos colocando “castigos” para quais Benedita(s) conduzirem?


Jane Patricia Haddad é pedagoga, com especialização em Psicopedagogia, Docência do Ensino Superior e Psicanálise. Atuou por mais de 20 anos em escolas como professora, coordenadora pedagógica e diretora, é consultora institucional e conferencista. Autora dos livros: “Educação e Psicanálise: Vazio existencial” e “O Que Quer a Escola: Novos Olhares resultam em Outras Práticas”, ambos publicados pela editora Wak, do Rio de Janeiro. Atualmente cursa o Mestrado em Educação na Universidade Tuiuti no Paraná, onde seu tema de pesquisa é a Indisciplina Escolar.

Site: http://www.janehaddad.com.br E-mail: janepati@terra.com.br 

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