Somos tão educados que perdemos o respeito

Até que ponto educação e respeito coincidem? É a indagação que me levou a esse ensaio em forma de texto. Podemos partir da ideia de que a condição para o “respeitar” origina-se sempre do pressuposto do ter sido respeitado. Como, se não dessa maneira, encontraremos uma modelo de respeito?

Entretanto, para conviver socialmente, nos vemos obrigado a sermos educados, justamente onde não fomos respeitados. Temos ai um caso clássico de modelo imposto de forma teórica, sem poder contar com a vivência do fato apreendido. Sabe-se “o que”, mas não “como”.

A educação por mais bem elaborada que possa ser e mesmo que seja de forma muito sutil, ainda assim é uma imposição de regras, o que coloca esse conceito no pólo oposto do conceito de respeito. Não me parece muito coerente dizermos que uma imposição possa ter sido de algum modo, respeitosa.

O termo educar se refere ao ato de orientar o sujeito segundo os padrões e ideais de determinada sociedade, visando aprimorar as faculdades intelectuais, físicas e morais. A partir dessa definição fica importante nos lembrarmos de que a inteligência leva ao saber sobre o outro, e muito pouco tem haver com a sabedoria (ligada à maturidade emocional) que diz respeito ao pensar sobre si mesmo. A sabedoria, decorrente da maturidade emocional, pode levar até a inteligência, contudo a inteligência não garantirá a maturidade emocional. Quando nos propomos a refletir sobre educar, estamos cogitando sobre um conceito muito próximo dos conceitos de domesticar, amestrar, ou adestrar.

A origem da palavra, dentro da perspectiva semântica, de alguma forma, sempre nos mostra o caminho, tornando mais claro alguns pontos obscuros na pesquisa dos conceitos que utilizamos em nosso funcionamento mental e também em nossas ligações afetivas. A palavra educar deriva do latim educare, ligada a educere, que é um verbo composto do prefixo ex, relativo a fora, mais ducere, referente a conduzir, ou levar. Significa literalmente ‘conduzir para fora’. Dentro dessa perspectiva a educação desloca o sujeito de si mesmo indicando o desejo do outro. E se estamos de acordo até aqui, já podemos olhar para a proposta de se educar alguém, de maneira atenta.

Esse texto não trata de uma crítica indiscriminada da educação, mas propor que a tarefa de educar deve ser efetuada somente, se precedida pela oportunidade de se ter experiências de reconhecimento interior. Isso para tornar-se capaz de relacionar-se com emoções que habitam o mundo interno. A confusão entre aquilo que é do eu com aquilo que é do outro, está dentro dessa perspectiva. Conhecer o outro antes de conhecer-se a si mesmo é comprometedor no desenvolvimento mental e isso se manifesta na capacidade de amar. Antes da educação deve vir o respeito. A educação está fundada na criação de um falso eu, necessário para defender o verdadeiro eu, mas prejudicial quando muito maciço.

“O falso self pode ser convenientemente sintônico com a sociedade, mas a falta do self verdadeiro produz uma instabilidade que quanto mais a sociedade é levada a acreditar que o falso self é o verdadeiro self, mais evidente se torna.” Winnicott (1950-5, p.g. 365)

O conceito de respeito, por sua vez, trata de relacionar com alguém ou alguma coisa, tendo grande atenção e cuidado, é tratar com profunda deferência. O respeito é um modelo de vínculo que admite a habilidade de reverência e inclui a capacidade de se relacionar com grande consideração. O respeito é antes de tudo algo muito próximo do afeto. Respeitar é uma forma muito nobre do amor.

O modelo de vinculação respeitosa, diferente de um reles “comportamento educado”, deve partir do sentimento real de importância para com aquilo ou aquele que se liga. Diverso da educação, o respeito não se deve jamais ser exigido. A capacidade do respeito é sinal claro da real expansão do pensamento e maturidade mental.

Do latim respectus, particípio passado de respicere, “olhar outra vez”. Do re, “de novo”, mais specere, “olhar”, a ideia é de que algo que merece um segundo olhar em geral merece respeito. Então a proposta é pensar melhor os conceitos de respeito e de educação.

Somos educados “para” o outro, independente do outro, o respeito se tem “com” o outro e depende totalmente do vínculo, só se pode respeitar aquele que se dá o respeito, de outra forma é pura educação.

“O excesso de animalidade deforma o homem cultural; o excesso de cultura cria animais doentes.” Jung (1980, p.g. 20)

Enquanto a educação cuida das questões referentes a limites morais e visa um enriquecimento intelectual o respeito se coloca a favor do desenvolvimento ético e da construção de certa sabedoria afetiva. Somos muito bem “educados” e com isso acabamos perdendo nossa intuição que é a base do respeito.

  • Jung. C G; Psicologia do inconsciente, tradução de Maria Luiza Appy. Petrópolis, Vozes, 1980.
  • Winnicott. D.W; Textos selecionados: da pediatria à psicanálise, tradução de Jane Russo. Rio de Janeiro, F. Alves, 1978.

Prof. Renato Dias Martino – Psicoterapeuta e Escritor

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