Projeto de Alfabetização Indígena
Comemoramos em 19 de abril o Dia do Índio. Certos de que é essencial refletirmos e contribuirmos com sua cultura e bem estar e que não poderemos ignorar essa importante parcela da população brasileira apresentamos um projeto especial.
Objetivos:
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Enfatizar o papel da linguagem, de conteúdos e formas culturais entendidas como “próprias”, além do incentivo à expressão e comunicação entre culturas;
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Promover a auto-estima, a valorização das identidades étnicas, historicamente muito afetadas nos grupos indígenas de alto ou baixo grau de contato com a sociedade envolvente;
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Desenvolver confiança e o prazer dos atos de aprendizagem e ensino, através de relações didáticas afetuosas entre aluno e professor;
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Oportunizar para que os alunos aprendam a desenhar, a representar suas idéias através de novas modalidades de linguagem, sendo estimulados a se expressar;
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Oferecer condições para que os alunos possam avançar na construção do sistema da escrita e da língua que se escreve;
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Valorizar o contexto histórico da comunidade.
A alfabetização indígena deve ser compreendida como um dos instrumentos que os povos possam utilizar para compartilhar com o restante da sociedade nacional todo o valor de sua cultura, bem como para que possam participar efetivamente da vida cultural brasileira, mostrando toda a sua riqueza e contribuição para esse país.
Justificativa:
A educação escolar praticada no Brasil, não só com os índios, mas com qualquer grupo de menor poder e prestígio, tinha – e ainda tem – um amplo potencial de domesticação e subserviência que vai desde a submissão ao saber até o poder do professor.
Esse tipo de educação, entre outras práticas sociais de igual violência simbólica, provocou a rejeição e a resistência dos índios e levou à perda de línguas e de muitos aspectos importantes da cultura.
A educação indígena sempre refletiu de forma coerente o macroprojeto nacional, que deixa clara a impossibilidade do plural, já que é baseado na unificação das diferenças pela hegemonia e no silenciamento da diversidade na unidade. Como resultado, temos a perda da memória humana e coletiva de muitas sociedades indígenas. A estimativa é que, no Brasil, cerca de 1.000 línguas indígenas desapareceram em quase cinco séculos. Mostramos com isso nossa incapacidade de construir uma sociedade mais ética e respeitosa. Basta lembrar dos atos de violência coletiva e individual cometidos contra índios, negros e outros grupos marginalizados da sociedade brasileira ao longo dos anos.
A proposta do presente projeto é considerar as construções pessoais dos alunos, tratando as crianças como indivíduos, valorizando sua história e sua cultura.
As crianças se alfabetizam em suas comunidades, através de experiências diárias as quais podem ser enriquecidas através de atividades lúdicas previamente planejadas pelo educador que proporcionará o exercício das trocas simbólicas entre as crianças no cotidiano como forma de consciência das ações realizadas, assegurando a elas um saber com significado real. Todos podem aprender basta ter as oportunidades para tal.
Aprender é uma tarefa que ninguém pode realizar pelo outro, mas ao mesmo tempo é a construção coletiva, pois considera as experiências anteriores dos estudantes e precisa de continuidade para que todo o seu potencial desabroche e se multiplique.
Para isso há a necessidade de utilizarmos metodologias que facilitem essa aprendizagem, tais como: trabalhar objetos concretos; confeccionar crachás que identifiquem os alunos; apresentar palavras do uso cotidiano; trabalhar com calendários; trabalhar com bingos de letras, caça-palavras, loto-leitura, músicas, parlendas, trava-língua, teatro, jogos, brincadeiras e entre outras; trabalho coma linguagem oral, através de observações de gravuras; interação com a escrita por meio da convivência com livros, revistas, jornais, entre outras; leitura de imagens e rótulos de uso cotidiano; trabalhar o alfabeto móvel.
Nessa perspectiva, também há necessidade de desenvolver uma proposta para o processo de alfabetização onde a escrita, mais que um instrumento técnico e uma atividade mecânica, seja um momento de interação e interlocução entre todos os envolvidos no processo, valorizando as particularidades e as aquisições e saberes de cada alfabetizando na construção de sua linguagem escrita, pois, no movimento das interações sociais e nos momentos das interlocuções, a linguagem se cria, se transforma, se constrói, como conhecimento humano.
Para a alfabetização ter sentido, ser um processo interativo é importante trabalhar com o contexto da criança, com histórias e com intervenções das próprias crianças que podem aglutinar, contrair, “engolir” palavras, desde que essas palavras ou histórias façam algum sentido para elas.
Para FREIRE (1976),
“aprender a ler, a escrever, alfabetizar-se é, antes de mais nada, aprender a ler o mundo, compreender o seu contexto, não numa manipulação mecânica de palavras, mas numa relação dinâmica que vincula linguagem e realidade” (p.21).
Aprender é uma tarefa complexa que envolve o sujeito como um todo e de forma específica. Conhecer demanda esforço, investimento e objetivos direcionados à aprendizagem. Nessa perspectiva, toda a aprendizagem é um trabalho dinâmico em que o aprendiz está sempre se movimentando, construindo e reconstruindo seu universo pessoal e grupal, exercendo um ato de compreender o mundo.
As crianças diferem entre si. Por isto, não se pode esperar que todas se desenvolvam ao mesmo tempo e do mesmo modo na aquisição de habilidades de leitura e escrita. Portanto, serão organizadas atividades diferentes, em épocas e situações diversas, procurando atender às necessidades de todas as crianças.
Ao permitir a interação entre os indivíduos, a leitura não pode ser compreendida apenas como a decodificação de símbolos gráficos, mas sim como a leitura do mundo, que deve ser constituída de sujeitos capazes de compreender o mundo e nele atuar como cidadãos.
Há que se encarar o leitor como atribuidor de significados e, nessa atribuição, levar-se em conta a interferência da bagagem cultural de cada aluno.
Vale ressaltar o papel do professor no desempenho de seus múltiplos papéis como encorajador de seus alunos, levando-os a ler com independência e senso crítico, ajudando-os ao mesmo tempo, a descobrir as motivações mais íntimas para ler: o porquê da leitura. E é esta motivação que dará sentido ao ato de ler e desenvolverá no aluno uma atitude positiva em relação à leitura e a facilidade que isso proporcionará para as produções de texto e estas atitudes extrapolarão o muro da escola e o acompanhará por toda a vida.
Valorizar o meio em que o aluno está inserido e também considerar os avanços pelos quais o mundo passa, tem constituído ponte para pensar e repensar o ato de ensinar e mediar a aprendizagem.
Qualquer grupo social humano elabora e constitui um universo completo de conhecimentos integrados, com fortes ligações com o meio em que vive e se desenvolve. Entendendo cultura como o conjunto de respostas que uma determinada sociedade humana dá as experiências por ela vivida e aos desafios que encontra ao longo do tempo, percebe-se o quanto as diferentes culturas são dinâmicas e estão em continuo processo de transformação.
O Brasil possui uma imensa diversidade étnica e lingüística, estando entre as maiores do mundo.
É importante frisar que as variadas culturas das sociedades indígenas modificam-se constantemente e reelaboram-se com o passar do tempo, com a cultura de qualquer outra sociedade humana.
No que diz respeito a identidade étnica, as mudanças ocorridas em varias sociedades indígenas, como o fato de falarem português, vestirem roupas iguais a dos outros membros da sociedade nacional com que estão em contato, utilizarem moderna tecnologia (como câmeras de vídeo, maquinas fotográficas e aparelhos de fax ), não fazem com que percam sua identidade éticas deixem de ser indígenas.
A diversidade cultural pode ser enfocada tanto sob o ponto de vista das diferenças existentes entre as sociedades indígenas e não-indigenas, quanto sob o ponto de vista das diferenças entre as muitas sociedades indígenas que vivem no Brasil. Mas está sempre relacionada ao contato entre realidades socioculturais diferentes e a necessidade de convívio entre elas, especialmente num país pluriético, como é o caso do Brasil.
É necessário reconhecer e valorizar a identidade étnica especifica da sociedade indígena em particular, compreender suas línguas e suas formas tradicionais de organização social, de ocupação da terra e de uso dos recursos naturais. Isto significa o respeito pelos direitos coletivos e a busca do convívio pacifico, por meio de um intercambio cultural, com as diferentes etnias.
De acordo com Grizzi e Silva (1981 – p. 21):
“Muitos índios que freqüentaram a escola “nacional”, com o ensino em português, são aparentemente alfabetizados: copiam textos, escrevem algumas palavras, mas não são capazes de ler, nem de se expressar através da escrita; isso acontece em grande parte pelo fato de não dominarem o português. Alfabetizar não é ensinar a escrita de umas poucas palavras do português conhecido. Só se pode falar que uma pessoa esta alfabetizada quando ela é capaz de se expressar através do código escrito. E o processo de alfabetização será muito mais eficaz quando feito na língua materna e não numa segunda língua, ou uma língua desconhecida.”
A alfabetização é um processo de aprendizagem conceitual onde o sujeito emprega a sua lógica sobre a língua escrita para poder aprendê-la e entender o seu significado.
FERREIRO (1986) ainda afirma que: “Ler não é decifrar, escrever não é copiar”. A escrita da criança não resulta de uma simples cópia de um modelo, mas é um processo de construção, onde reinventam a escrita, no sentido de compreender seus processos de construção e suas normas de produção.
Valorizando e respeitando o conhecimento que o educando já possui, o professor assume o papel de mediador a nortear o educando a percorrer em caminho da sua própria construção,organizando um ambiente rico em elementos de escrita utilizando diferentes materiais,não apenas escolares, mas de uso social enriquecendo a cultura o contexto da escrita que o educando já tem acesso.
“Alfabetizar exige amor, responsabilidade, comprometimento, sensibilidade e acima de tudo, bom senso”. (Paulo Freire)
Metodologia/Desenvolvimento:
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Partir dos conhecimentos prévios dos alunos, usando a escrita para registra um pouco da sua história, a literatura, as crenças religiosas, os mitos, as receitas, enfim, o conhecimento do povo.
- Não limitar o processo de alfabetização entre quatro paredes. O aprendizado deve ocorrer num espaço formal ou informal, dentro da comunidade, onde muitas das vezes o educador vira educando, realizar o processo em movimento aproveitando as riquezas naturais e os detalhes da vida de cada um.
- Com base no método de Paulo Freire a partir da imagem e da palavra do professor iniciar a pedagogia da pergunta. Antes de qualquer fonema alfabetizador proporcionar duas leituras do mundo: o mundo da natureza e o mundo da cultura.
- Sondar as dúvidas, interesses e necessidades dos alunos. Trabalhar no sentido de construção, de troca de conhecimentos e não algo meramente pronto para ser aprendido.
- Trabalhar com literatura infantil através de contação de histórias, vivenciando brincadeiras referentes a elas, levando informações sobre um outro modo de viver e as influências da cultura ocidental, assim como propiciando para que contem suas próprias histórias.
- Explorar músicas e artes plásticas e através destas incentivar o aluno a praticar socialmente a leitura e a escrita, de forma criativa, descobridora, crítica, autônoma e ativa, já que a linguagem é interação e, como tal, requer a participação transformadora dos sujeitos sociais que a utilizam.
- Planejar suas ações visando ensinar para que serve a linguagem escrita e como o aluno poderá utilizá-la.
- Observar a ação das crianças, acolher ou problematizar suas produções, intervindo sempre que achar que pode fazer a reflexão dos alunos sobre a escrita avançar.
- Relacionar o processo de alfabetização com o lúdico, na forma de jogos e brincadeiras, que despertam o interesse e arrebatam a atenção das crianças, tornando este processo recheado de significado.
- Fazer com que a criança se reconheça como um sujeito importante que possui um nome que é só seu, realizando atividades e jogos variados envolvendo os nomes das crianças propiciando, assim a aprendizagem da escrita.
Avaliação:
Avaliar o desempenho global dos alunos continuamente a partir de observações, das atividades nas aulas, da participação na construção de novos conceitos, levantamento de hipóteses e manipulação dos materiais;
Observar as atitudes de responsabilidade, cooperação e organização dos alunos.
“O direito à saúde significa, entre outras coisas, o direito de todo indivíduo a uma atenção médica atualizada de acordo com os avanços científicos e técnicos dessa área profissional. O direito à alfabetização não pode significar menos do que isso.”(Emília Ferreiro)
Referências:
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FERREIRO, E. Reflexões sobre Alfabetização. Trad. H. Gonzales et al. 2 ed. São Paulo,: Cortez/Autores Associados, 1986.
- FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler (em três artigos que se completam). Prefácio de Antonio Joaquim Severino. São Paulo: Cortez/Autores Associados, 1982a. 96 p.
- FREIRE, Paulo. Conscientização teoria e prática da libertação: uma introdução ao pensamento de Paulo Freire. São Paulo: Cortez & Moraes, 1979. 102 p.
- FREIRE, Paulo. Educação e Mudança. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976.
- GRIZZI, D. C. S.; SILVA, A. L. da. A Filosofia e a Pedagogia da Educação Indígena: um resumo dos debates. In: COMISSÃO PRÓ-ÍNDIO. A Questão da Educação Indígena. São Paulo: Brasiliense, 1981.
Para saber mais sugerimos os documentários da TV Escola, disponíveis na página:
http://midiaseducacao-videos.blogspot.com/search/label/Cultura%20ind%C3%ADgena
Artigo retirado do livro “Pedagogia de Projetos – Ano letivo sem mesmice”
Paty Fonte (Patricia Lopes da Fonte)
Educadora especialista em pedagogia de projetos, escritora, autora dos livros “Projetos Pedagógicos Dinâmicos: a paixão de educar e o desafio de inovar” e “Pedagogia de Projetos – Ano letivo sem mesmice”, ambos publicados pela editora WAK; autora e tutora de cursos presenciais e on-line de educação continuada a docentes, coach, palestrante.
Idealizadora e diretora dos sites: www.projetospedagogicosdinamicos.com e www.cursosppd.com.br
Contatos: www.patyfonte.com.br | www.facebook.com/pedagogiadeprojetos/