Projeto Chuá, Chuá… a chuva vamos estudar!

A partir da realidade das crianças, inúmeras oportunidades de construção e ampliação de conhecimentos sobre o mundo social e o natural podem ser exploradas.

Ao longo do meu trabalho, percebi que precisaria dar maior atenção à parte disciplinar da minha turma na escola onde trabalho. Algumas crianças mostravam um comportamento disperso. Assim, a falta de interesse, a dificuldade de integração, cooperação e participação eram constantes. Diante dessa situação, sentia-me muito cansada, angustiada e distante da turma. Muitas crianças convivem com os pais separados, outras vivem em lares desajustados nos quais frequentemente presenciam brigas e outras formas de violência. O resultado disso tudo repercute de forma negativa na escola, pois algumas crianças, por serem muito agressivas, geralmente, sentem dificuldade em se relacionar com as demais.

O Projeto Chuá, Chuá… A Chuva Vamos Estudar! implementado na Unidade de Apoio à Criança Boa Vista, situada na cidade de Mossoró, no Rio Grande do Norte funciona em uma casa que tem 5 salas de aula para atender crianças de 2 a 6 anos de idade. Possui uma sala especial para crianças entre 2 e 3 anos de idade. Colocando em prática uma linha pedagógica construtivista, nossas crianças, na sua maioria, de famílias de baixa renda, cujos pais são assalariados ou autônomos e alguns desempregados. A maior parte dos pais ou responsáveis possui um certo grau de escolaridade, no entanto, existem alguns analfabetos.

O tema para o projeto surgiu a partir da realidade vivida pelas crianças. Ao observarem as grandes chuvas que ocorreram na cidade e as consequências dessas, que deixaram muitas famílias desabrigadas, as crianças chegavam à escola fazendo muitos questionamentos e levantando várias hipóteses acerca desse fenômeno. Daí, então, resolvi aproveitar tal situação e desenvolver o referido projeto, na tentativa de fomentar uma aprendizagem mais significativa, uma vez que partiu do interesse e da curiosidade das próprias crianças. Estas, por sua vez, utilizaram a expressão “chuá, chuá” para imitar o barulho da chuva.

Com a ideia do projeto, percebi a possibilidade de oferecer inúmeras oportunidades de construção e ampliação de conhecimentos sobre o mundo social e o natural. De acordo com o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil, o mundo onde as crianças vivem se constitui de um conjunto de fenômenos naturais e sociais indissociáveis, diante do qual elas se mostram curiosas e investigativas. Além disso, a compreensão dos fenômenos naturais é um importante aprendizado para elas, pois atividades dessa natureza, além de tratarem de um tema que desperta bastante interesse nelas, permitem que se trabalhe de forma privilegiada a relação que o homem estabelece com a natureza. Com base nesse pressuposto, optei por desenvolver o projeto tendo como fonte principal a teoria de Jean Piaget, propondo atividades desafiadoras, capazes de provocarem desequilíbrios e reequilibrações sucessivas, promovendo a descoberta e a construção de conhecimento a respeito da chuva e a relação desta com os seres vivos.

De acordo com Schliemann, no livro Novas Contribuições da Psicologia aos Processos de Ensino-Aprendizagem, o desenvolvimento da criança se dá no contato e na interação com outras crianças, daí a necessidade da promoção de atividades grupais. Durante a realização de todo o projeto, promovemos a integração das diferentes áreas do conhecimento, possibilitando à criança um desenvolvimento amplo e dinâmico.

E assim, de acordo com as orientações contidas no Referencial, achei coerente trabalhar com o repertório musical de Luiz Gonzaga, uma vez que retrata muito bem a importância da chuva para os seres vivos e que possui uma linguagem acessível à turma, servindo assim como forte subsídio no processo ensino/aprendizagem.

O objetivo principal do projeto era fazer com que as crianças percebessem o papel da chuva para os seres vivos, estabelecendo algumas relações e destacando a necessidade da valorização e da economia da água. Assim, iniciei com uma roda de conversa para detectar os conhecimentos prévios das crianças. Feito esse levantamento, dividi o projeto em algumas etapas. Com a ajuda dos pais, foram realizadas muitas pesquisas em livros, jornais, revistas e pela Internet. Selecionei alguns materiais e montamos um mural na sala. Alguns textos subsidiaram nossas rodas de conversa no decorrer do trabalho, por meio de leituras compartilhadas. Naquele momento, as crianças tiveram oportunidade de expor suas ideias, relatar fatos vivenciados e observados e de apreciar a leitura feita pelo professor. Diariamente, elas faziam a observação do tempo e registrava-o com desenhos.

Retomando as hipóteses levantadas pela turma sobre a origem da chuva, contei a história Gota de Água. Em seguida, realizei uma experiência para melhor compreensão do assunto. Trabalhei também o poema Água, de Paulo Tatit e Arnaldo Antunes, e aproveitei o momento para falar da importância da água na vida dos seres vivos. Estudamos também outros fenômenos que acompanham a chuva, como o relâmpago, o trovão e o arco-íris, utilizando histórias, experiências, músicas e danças.

Para trabalhar a relação entre o homem e a natureza utilizei o repertório musical de Luiz Gonzaga e o poema de Cristina Aragão, Um Diadema de Cores. Apesar de ser um trabalho difícil, conseguimos bons resultados, depois de refletirmos sobre as músicas Baião da Garoa e Asa Branca. Trabalhei também com alguns mitos, lendas e histórias bíblicas. A turma visitou a zona rural. Lá as crianças observaram diretamente a importância da chuva para os seres vivos e a necessidade de usar adequadamente a água. Em outra oportunidade, observamos uma rua depois de uma pancada de chuva, refletindo sobre a interferência desta na vida das pessoas.

No fazer artístico, as crianças fizeram uso de materiais diversos para desenhar, pintar, recortar e colar. Pintaram alguns quadros para compor nossa pinacoteca e confeccionamos uma maquete. Redigimos um texto coletivo em forma de poema e confeccionamos alguns livros, nos quais as crianças tiveram a oportunidade de expor seus novos conhecimentos. Depois realizamos uma exposição na escola para os pais. Apesar de o tema estar diretamente vinculado à natureza e à sociedade, trabalhamos também outras áreas do conhecimento de forma integrada, buscando uma aprendizagem mais ampla e significativa para as crianças.

A avaliação foi feita de forma sistemática e contínua, ao longo do desenvolvimento do projeto, por intermédio das atividades contextualizadas, para observar a evolução das crianças. Para tanto, aproveitamos as suas diversas formas de expressão, como a fala, a escrita, o desenho, a pintura, as confecções de maquete e livros. Tudo isso permitiu avaliar nosso trabalho e a conclusão foi positiva. Com essas atividades, as crianças puderam expressar a amplitude de suas experiências e adquiriram novos conhecimentos sobre o seu meio social e o natural. Vale ressaltar ainda que todo esse resultado também é fruto da estreita relação entre as diversas áreas do conhecimento. Assim, podemos dizer que nossos objetivos foram alcançados. A indisciplina e a falta de interesse deram lugar à participação e ao envolvimento coletivo.

Na verdade, esta foi uma experiência de grande repercussão na cidade, principalmente pela abrangência do tema e a realização de atividades lúdicas, que por sua vez, privilegiaram o grande potencial das crianças. Assim, estamos pensando em realizá-la também com as demais turmas que não foram contempladas. Se possível, faremos mais passeios, observações e experiências com as crianças, porque isso torna a aprendizagem mais prazerosa e significativa. É uma experiência que pode e deve ser desenvolvida por todos os professores que buscam um trabalho de caráter científico, que envolve o meio natural e o social, e que ao mesmo tempo traz inúmeras respostas às curiosidades das crianças, uma vez que estas se mostram sempre investigativas sobre o seu mundo e também porque a chuva é um fenômeno natural vivido e presenciado por elas. Daí a razão pela qual provoca tanto interesse e estimula a participação de todos.


Professora: Maria Elisabete Fernandes Unidade de Apoio à Criança Boa Vista Município/UF: Mossoró/Rio Grande do Norte.

Projeto premiado! Prêmio Qualidade na Educação Infantil 2004.

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