Pedagogia do parangolé – Novo paradigma em educação presencial e online
Assim como inspira a inquietação dos programadores da TV, a interatividade também pode despertar o interesse dos professores para uma nova comunicação com os alunos em sala de aula presencial e online. Afinal, tanto a mídia de massa quanto a sala de aula estão diante do esgotamento do mesmo modelo comunicacional que prevaleceu no século XX: a transmissão que separa emissão e recepção, a lógica da distribuição.
O termo apareceu na década de 1970 no contexto da crítica à mídia unidirecional e virou moda a partir de meados dos anos 80 com a chegada do computador com múltiplas janelas (windows) em rede. Janelas que não se limitam à transmissão, permitem ao usuário adentramento labiríntico e manipulação de conteúdos.
Em nossos dias, mesmo ganhando maturidade teórica e técnica com o desenvolvimento da internet e dos games, o termo interatividade sofre banalização quando usado como “argumento de venda” em detrimento do prometido mais comunicacional. Basta ver a enxurrada de aplicações do termo, desde shampoo interativo e tênis interativo até mesmo a escola interativa, nesse caso apenas por estar equipada com computador e internet e não por superar a velha pedagogia da transmissão.
Vale a pena atentar para o sentido depurado do termo interatividade que encontra seus fundamentos na arte “participacionista” da década de 1960, definida também como “obra aberta” por Umberto Eco. O”parangolé” do artista plástico carioca Hélio Oiticica é um exemplo maravilhoso dessa arte.
Interagir não é assistir
O parangolé rompe com o modelo comunicacional baseado na transmissão. Ele é pura proposição à participação ativa do “espectador” – termo que se torna inadequado, obsoleto. Trata-se de participação sensório-corporal e semântica e não de participação mecânica. Oiticica quer a intervenção física na obra de arte e não apenas contemplação imaginal separada da proposição. O fruidor da arte é solicitado à”completação” dos significados propostos no parangolé. E as proposições são abertas, o que significa convite à co-criação da obra. O indivíduo veste o parangolé que pode ser uma capa feita com camadas de panos coloridos que se revelam à medida que ele se movimenta correndo ou dançando.
Parangolé de H. Oiticica – 1964
Oiticica o convida a participar do tempo da criação de sua obra e oferece entradas múltiplas e labirínticas que permitem a imersão e intervenção do “participador”, que nela inscreve sua emoção, sua intuição, seus anseios, seu gosto, sua imaginação, sua inteligência. Assim a obra requer “completação” e não simplesmente contemplação. Segundo o próprio Oiticica, “o participador lhe empresta os significados correspondentes – algo é previsto pelo artista, mas as significações emprestadas são possibilidades suscitadas pela obra não previstas, incluindo a não-participação nas suas inúmeras possibilidades também”.
Esta concepção de arte (ou “antiarte”, como preferia Oiticica), inconcebível fora da perspectiva da co-autoria, tem algo a sugerir ao professor: mesmo estando adiante dos seus alunos no que concerne a conhecimentos específicos, propõe a aprendizagem na mesma perspectiva da co-autoria que caracteriza o parangolé e a arte digital. O professor propõe o conhecimento. Não o transmite. Não o oferece à distância para a recepção audiovisual ou “bancária” (sedentária, passiva), como criticava o educador Paulo Freire.
Desafio para o professor
Inspirado no parangolé, o professor propõe o conhecimento aos estudantes, como o artista propõe sua obra potencial ao público. Isso supõe, segundo Thornburg & Passarelli, “modelar os domínios do conhecimento como ‘espaços conceituais’, onde os alunos podem construir seus próprios mapas e conduzir suas explorações, considerando os conteúdos como ponto de partida e não como ponto de chegada no processo de construção do conhecimento”. A participação do aluno se inscreve nos estados potenciais do conhecimento arquitetados pelo professor de modo que evoluam em torno do núcleo preconcebido com coerência e continuidade. O aluno não está mais reduzido a olhar, ouvir, copiar e prestar contas. Ele cria, modifica, constrói, aumenta e, assim, torna-se co-autor. Exatamente como no parangolé, em vez de se ter obra acabada, têm-se apenas seus elementos dispostos à manipulação.
O professor disponibiliza um campo de possibilidades, de caminhos que se abrem quando elementos são acionados pelos alunos. Ele garante a possibilidade de significações livres e plurais e, sem perder de vista a coerência com sua opção crítica embutida na proposição, coloca-se aberto a ampliações, a modificações vindas da parte dos alunos. Uma pedagogia baseada nessa disposição à co-autoria, à interatividade, requer a morte do professor narcisicamente investido do poder. Expor sua opção crítica à intervenção, à modificação, requer humildade. Mas, diga-se humildade e não fraqueza ou minimização da autoria, da vontade, da ousadia. Seja na sala de aula equipada com computadores ligados à Internet, seja no site de educação a distância, seja na sala de aula “infopobre”, o professor percebe que o conhecimento não está mais centrado na emissão, na transmissão.
Na era digital ou cibercultura os atores da comunicação têm a interatividade e não mais a separação da emissão e recepção própria da mídia de massa e da “cultura da escrita”, quando autor e leitor não estão em interação direta. Assim o professor propõe o conhecimento à maneira do parangolé. Assim ele redimensiona a sua autoria: não mais a prevalência do falar-ditar, da distribuição, mas a perspectiva da proposição complexa do conhecimento à participação ativa dos alunos que já aprenderam com o joystick do videogame e hoje aprendem com o mouse. Enfim, a responsabilidade de disseminar um outro modo de pensamento, de inventar uma nova sala de aula, presencial e a distância, capaz de educar em nosso tempo.
Marco Silva, sociólogo, doutor em educação e professor da UERJ e da Estácio de Sá, é autor do livro Sala de aula interativa (Quartet, 2000) e coordenador do livro Educação online (Loyola, 2003).
Site: http://www.saladeaulainterativa.pro.br/