Escola forte não é escola brava
Como professor, sempre entendi a reunião de pais como uma rara oportunidade de dialogar com as famílias sobre a educação que aspiramos proporcionar aos nossos estudantes, apesar de entender que o mais correto seria renomear este encontro para reunião de mães, invariavelmente mais presentes que seus companheiros.
Durante uma destas reuniões, como era de costume, em uma grande roda organizada no pátio da escola em que eu trabalhava, conversávamos sobre os conflitos e os desafios inerentes à educação daquelas crianças e adolescentes pelos quais éramos responsáveis. Até que, um pai, visivelmente ansioso, pediu a palavra e passou a reclamar do quanto achava a nossa escola fraca.
Argumentava principalmente sobre a necessidade dos professores passarem mais lições de casa para que as crianças estudassem mais, pois seus filhos passavam muito tempo “desocupados” e, na sua visão, isto demonstrava o quanto a escola não era forte o suficiente. Seguiu afirmando o quanto precisávamos ser mais rígidos, aplicar provas, cobrar mais os estudantes, e por aí vai…
Quase sempre, antes mesmo que fosse necessário nos posicionarmos em defesa do nosso projeto pedagógico, uma mãe, um pai, ou os próprios estudantes respondiam aos questionamentos, tornando nossa intervenção desnecessária.
Naquele dia não foi diferente. Quem não se conteve e quis expor seu pensamento foi uma das pessoas com quem mais aprendi durante os dez anos que permaneci naquela escola, e um dos melhores e mais presentes pais que já conheci: Arthur Kohl, pai da Dalva e da Nina. Um senhor alto, barbudo e careca, de voz grave e imponente.
Fundamentalmente, Arthur nos fez o favor de explicar o cuidado necessário para não confundirmos escola forte com escola brava. Genial! Simples e claro! Como explicou ele, uma escola brava não é uma escola forte, pelo contrário, justamente quando a escola não consegue ser forte é que ela costuma se tornar brava.
A escola brava, por não conseguir estimular seus estudantes, aposta em instrumentos de coerção para que passem a estudar por medo de serem punidos. Entretanto, a curiosidade é inata ao ser humano, todos nós nascemos com o desejo de apreender o mundo.
O que a escola precisa fazer é estimular – e não matar este desejo. Quando as escolas passam a apostar em métodos coercitivos para que seus estudantes aprendam, elas desistem de apostar na relação de desejo e interesse dos estudantes pelo conhecimento. Por este motivo, em uma escola brava encontramos estudantes com medo, enquanto que em uma escola forte encontramos estudantes estimulados.
Se a escola brava aposta na vigilância, a escola forte entende que não há educação sem vínculo, aposta na confiança, no afeto construído com amor e na qualidade das relações. Na escola brava, todos precisam aprender as mesmas coisas ao mesmo tempo, já a escola forte respeita os interesses e o tempo de aprendizado de cada um.
Enquanto a escola brava exclui aqueles que não acompanham seu ritmo, a escola forte acolhe as diferenças. Na escola brava cada estudante é só um número, na escola forte todos têm um nome. Enquanto a escola forte educa para o pensar, a escola brava educa para o obedecer.
É preciso vincular nossas obrigações aos nossos interesses para que nosso cotidiano não se torne enfadonho. Cabe à escola proporcionar aos seus estudantes oportunidades de experimentação no campo das ciências, das artes, dos esportes, das múltiplas linguagens, para que cada um possa, a partir destas experiências, encontrar o seu próprio caminho. Escolher uma atividade profissional implica em refletir sobre nosso propósito de vida, sobre a forma como nos compreendemos no mundo e na contribuição que pretendemos oferecer a ele nessa breve passagem que é a vida.
Em pleno século XXI, permitir que os estudantes sejam protagonistas de seu próprio aprendizado e se dediquem a investigar aquilo que é, de fato de seu interesse, ainda é algo extremamente inovador no ambiente escolar, aparentemente por medo de que não aprendam os famosos “conteúdos necessários”. Entretanto, o que temos acompanhado é que justamente aqueles estudantes que podem se dedicar a investigar aquilo que desejam é que passam a aprender os conteúdos, de fato, necessários.
Ao investir em métodos coercitivos as escolas criam a cultura do medo, oposta à cultura do desejo, assim impedem que seus estudantes conheçam quem verdadeiramente são.
Antes de investigar o mundo externo precisamos de espaço para investigar nosso mundo interno, só assim conseguiremos trilhar nosso caminho sem nos desconectarmos de nós mesmos. A educação precisa estimular a aprendizagem da autonomia individual e comunitária para nos permitir ser quem verdadeiramente somos.
Sociólogo formado pela PUC-SP e Mestre em Filosofia da Educação pela USP, é professor da educação básica à universitária e atua como assessor pedagógico para o Instituto Alana.