Como aprofundar o trabalho com projetos
Com algumas estratégias simples, os projetos podem tornar-se a experiência complexa, envolvente e intelectualmente expansiva que os professores desejam
Enquanto examinava a documentação do projeto das crianças sobre caminhões, a sra. Johnson estava pensando no quanto havia sido mais fácil orientar esse projeto do que o primeiro que tinha realizado. Sentiu-se confiante quanto à abordagem do projeto e como tocá-lo adiante; contudo, ao examinar mais de perto as fotos e o trabalho realizado pelas crianças, ela se sentiu um pouco desapontada com os resultados. A maior parte das perguntas das crianças eram simples, tais como “Quantos pneus?” ou “Quantas janelas?”. Elas não pareciam assumir o controle da investigação e formular suas próprias ideias. A investigação não era tão profunda ou significativa quanto a professora esperava, ou como tinha visto em outros projetos sobre os quais lera em livros.
Essa experiência é muito comum entre professores que estão começando a trabalhar com projetos. Existe muito a aprender sobre a orientação dos primeiros projetos; porém, uma vez dominados os fundamentos, os professores enfrentam o desafio de aprofundar essa experiência. Com algumas estratégias simples, os projetos podem tornar-se a experiência complexa, envolvente e intelectualmente expansiva que eles desejam.
Estreitar o tópico
Um dos maiores determinantes da profundidade do trabalho com projetos é a adequação do tópico a ser investigado em profundidade. Existem diretrizes básicas para a escolha de tópicos para crianças pequenas (Helm e Katz, 2000). Estas incluem escolher tópicos que sejam mais concretos do que abstratos e que coloquem as crianças em contato com objetos concretos e reais que elas possam manipular, além de escolher tópicos que se relacionem com experiências prévias e procurar um local relacionado nas proximidades para que possam visitá-lo várias vezes. Tópicos com grande número de artefatos aumentam a independência das crianças nas investigações.
Existem outras diretrizes gerais para aumentar a profundidade do trabalho com projetos. Uma estratégia é estreitar o foco de atenção. De modo geral, quanto mais estreito o tópico, mais aprofundado será o projeto. Por exemplo, lojas é um tópico muito amplo, padarias é um tópico mais estreito, e um projeto sobre a Padaria Saborosa, que fica nas imediações, é bem estreito. Quando um tópico amplo como lojas é escolhido, a discussão e a investigação concentram-se em vários tipos diferentes de lojas (sapatos, música, mercearia) e no aprendizado de um pouco de cada uma delas (onde se localizam e que tipo de produto cada uma delas vende). A discussão tem de permanecer abstrata, porque provavelmente não é possível visitar muitos tipos diferentes de lojas.
Estreitar o tópico a padarias, em vez de lojas, concentra a discussão em diferentes tipos de padarias, a variedade de produtos assados e como cada um deles é feito. Estreitar o tópico ainda mais a uma padaria específica, a Padaria Saborosa, incentiva as crianças a formular espontaneamente perguntas à medida que elas se familiarizam com a complexidade do negócio. As perguntas podem incluir: quem trabalha nessa padaria? Que tarefas essas pessoas realizam? Como elas aprenderam a fazer isso? Que roupas vestem? A que horas abrem? Como eles fazem aqueles bolinhos de mirtilo? Onde armazenam seus ingredientes? Essas perguntas mais profundas, baseadas em suas observações, surgem facilmente para o grupo.
As crianças são encorajadas a pensar mais profundamente conforme observam os empregados da padaria e interagem com eles. Assim, desenvolvem um conhecimento detalhado sobre a padaria e as pessoas que trabalham ali. Quando representam o que aprenderam, suas representações também serão mais detalhadas, requerendo mais raciocínio para serem produzidas. Em vez de criar uma loja baseada em seus estudos de “lojas”, as crianças podem decidir criar uma padaria como a Padaria Saborosa em sua sala de aula. Em vez de fazer um “lugar para pagar” genérico, elas desejarão estudar e criar uma caixa registradora, bem como a área de pagamento, exatamente como as que viram. À medida que estudam suas fotos, seus desenhos e suas notas para criar a caixa registradora da Padaria Saborosa, elas realizam grande parte do trabalho de resolução de problemas e de pensamento criativo do trabalho com projetos. A escolha dos materiais e a construção da réplica de uma caixa registradora com teclas que possam ser apertadas geram um desafio e uma oportunidade de resolução de problemas.
Construir um conhecimento de base
Outra estratégia para aprofundar o trabalho em projetos com crianças pequenas é passar mais tempo construindo um conhecimento de base ou “lidando” com o assunto. Todas as crianças pequenas tiveram um número limitado de experiências. Crianças mais velhas estão vivas e aprendendo há mais tempo e, por isso, têm maior conhecimento de base e seu conhecimento é mais diversificado.
Por exemplo, crianças mais velhas já fizeram algum passeio longe de casa, o que exigiu que viajassem e passassem a noite fora. Em um grupo de pré-escolares, algumas crianças na classe, mas não todas, podem ter tido essa experiência. Embora você possa presumir com segurança que os alunos em uma classe de crianças de 10 anos já viram uma padaria ou estiveram em uma, você não pode fazer essa suposição para uma classe de crianças de 3 anos.
Reserve um tempo para construir um conhecimento básico comum sobre o assunto. Você precisa ter certeza de que todas as crianças têm a experiência antes de se aventurar em uma investigação. Você pode fazer um visita à padaria e comprar algo para lanchar. A identificação do tópico e o desenvolvimento de perguntas geralmente tomam mais tempo com crianças pequenas, conforme elas desenvolvem vocabulário e conceitos sobre o assunto. Essa fase pode levar até duas semanas.
Integrar conteúdo e currículo
Os professores aprofundam o trabalho em projetos pensando cuidadosamente sobre as direções que um projeto pode tomar ou sobre as oportunidades de aprendizagem que podem ocorrer. Isso é chamado de planejamento preparatório. Depois de escolhido o tópico, o professor tece uma rede sobre todos os conceitos que o compõem. Esse mapeamento informa-o sobre todas as direções possíveis que um tópico pode tomar de acordo com o interesse das crianças. Por exemplo, se o tópico fosse “calçados”, os conceitos organizados na rede poderiam incluir materiais, tamanhos, fabricação, lojas, marcas, fechos, finalidades e tipos. Esses são conceitos acerca dos quais as crianças podem aprender no processo de estudar os calçados.
Uma vez adicionados todos os conceitos, o professor examina as metas e os objetivos curriculares. Onde as crianças poderiam aprender ou usar os conhecimentos que fazem parte do currículo? Por exemplo, em um projeto sobre calçados, onde elas poderiam ter contato com números? Duas situações em que as crianças deparam-se com números é quando aprendem sobre tamanhos ou preços. O professor pode escrever esses objetivos específicos – reconhecer números de 1 a 10 na rede por tamanhos ou preços – para lembrar-se dessas oportunidades. No processo ativo e acelerado de orientar projetos em sala de aula, ele tem assim mais chances de lembrar-se de ensinar ou oferecer às crianças oportunidades para que usem esse conhecimento ou essa habilidade à medida que os conceitos aparecem nas atividades do projeto. O professor pode então sugerir que se elabore uma tabela dos diferentes tamanhos de calçados infantis quando uma criança observa o número no seu sapato, ou combinar os números nas caixas de sapato com os tamanhos dos sapatos quando as crianças brincam de loja de sapatos.
Enfatizar conversas instrutivas
Outra estratégia para aprofundar o trabalho em projetos é aumentar a qualidade das discussões do projeto. Com crianças pequenas, conversas significativas sobre os projetos são geralmente mais fáceis de realizar quando o grupo é pequeno. Realize as conversas em um ponto diferente da sala, por exemplo, na área de livros. As conversas tornam-se mais aprofundadas quando as crianças são estimuladas a ouvir e responder umas às outras. Transferindo-se as discussões em pequeno grupo para outra parte da sala, uma nova tradição de autênticas discussões sobre o projeto pode ser estabelecida. As crianças ficam frente a frente em um pequeno círculo, com o professor sentando-se também no chão como parte do círculo. Desencoraje o hábito de levantar a mão e esperar o reconhecimento do professor se você quer que conversas espontâneas e profundas ocorram. O professor pode explicar o conceito de “conversa”, no qual as crianças revezam-se na fala e na escuta, exemplificar a escuta e a resposta aos comentários das crianças (“Você ouviu o que José disse sobre os fornos?”) e atraí-las para a conversa (“Manuel, você concorda com José? Você também acha que fornos são como luzes?”).
Mantenha o foco no assunto e tenha uma conversa instrutiva. Conversas instrutivas vão além da transmissão de conhecimento e do ensino de habilidades específicas, pois encorajam discussões cuidadosas enquanto a criança se debate com ideias (Goldenberg, 1991). Elas têm finalidades instrutivas, mas parecem ser uma conversa espontânea com interações em linguagem natural. Para orientar as conversas instrutivas, mantenha a ideia ou o conceito como foco principal (“Maria, você pode nos contar sobre sua viagem à casa da vovó depois, porque agora estamos conversando sobre padarias. Você tem alguma coisa a dizer sobre o forno?”).
Incentive a participação, qualquer que seja a capacidade linguística de uma criança e tente fazer com que todas elas contribuam no pequeno grupo. Você pode fazer isso simplesmente dizendo: “Paulo, o que você acha que deixa os fornos quentes?”, ou então: “Raquel, você tem ideias maravilhosas sobre fornos. Vamos ver o que as outras crianças também pensam sobre isso. Você pode ouvir e fazer-lhes perguntas comigo”. Todas as contribuições devem ser aceitas, sem correção da linguagem. Você pode querer fazer uma rede ou escrever notas para lembrar-se do que foi dito.
Incorporar provocações
Ao orientar o trabalho em projetos, os professores às vezes hesitam em introduzir suas próprias ideias. Contudo, quando o professor tem uma compreensão clara do que as crianças entendem, ele pode aprofundar o projeto introduzindo uma nova ideia ou criando uma oportunidade para resolução de problemas. Essa introdução muitas vezes é chamada de provocação, evento ou desafio que instiga a reflexão e empolga as crianças pela aprendizagem. Por exemplo, em um projeto sobre calçados, um professor perguntou às crianças se elas sabiam como funcionam os tênis com solas com luzinhas que se acendem. “De onde vem a luz?”. Isso as faz formularem hipóteses. O professor foi então adiante com a pergunta: “Como poderíamos descobrir?”.
As crianças decidiram encontrar um tênis velho, que não servisse mais no dono, para abri-lo. Encontrar um tênis velho tornou-se um problema a resolver e desmontá-lo foi outro. Quando a bateria e o circuito foram retirados do calçado, surgiu outro problema: as crianças tentaram entender como eles funcionavam para fazer as luzes acenderem. Essa provocação do professor gerou muita aprendizagem. Os professores podem simplesmente fazer perguntas concentradas em quem, como e quando, afastando-se das perguntas típicas “O que é aquilo?” e “Quantos…?”. Também se pode pedir aos alunos que lancem hipóteses e façam previsões sobre o que acontecerá.
Estabelecer compromisso com o trabalho com projetos
Várias ideias para aprofundar o trabalho com projetos foram apresentadas neste artigo. A simples alteração de algumas estratégias pode ter um efeito significativo na quantidade e na profundidade do pensamento que ocorre durante o projeto. Todas essas ideias são realçadas quando os professores documentam o projeto, tornando-se reflexivos e intencionais (Helm, Beneke e Steinheimer, 2007). Quando isso acontece, as crianças desenvolvem as habilidades necessárias para uma investigação significativa.
REFERÊNCIAS
GOLDENBERG, C. Instructional conversations and their classroom application: educational practice report 2. Santa Cruz, CA: The National Center for Research on Cultural Diversity and Second Language Learning, 1991.
HELM, J. Got standards: don’t give up on engaged learning. Young Children, v. 63, n. 4, p. 14-20, 2008.
HELM, J.H.; BENEKE, S.; STEINHEIMER, K. Windows on learning: documenting young children’s work, 2007.
HELM, J.H.; KATZ, L.G. Young investigators: the project approach in the early years. New York: Teachers College Press, 2000.
Judy Harris Helm é consultora educacional e atua em treinamento sobre documentação, avaliação e trabalho com projetos em âmbito internacional.