Lição de casa na Educação Infantil: limites

Os benefícios de fazer uma boa lição de casa estão comprovados por diversas pesquisas. As tarefas escolares bem elaboradas ajudam a fixar o conteúdo, ensinam a importância de estudar fora da escola e até desenvolvem a responsabilidade e a autonomia. Então, quanto mais cedo a criança começar a fazer lição de casa, melhor, não é?! Não, não é bem assim!

A Educação Infantil, que atende crianças de até seis anos, é uma etapa importante para os pequenos, que influenciará toda a trajetória escolar e, por isso, seu ritmo deve ser respeitado.

Frequentar uma boa pré-escola garante às crianças mais chances de ter um desempenho escolar melhor e de se tornarem mais cooperativas, independentes e sociáveis, segundo pesquisa da professora Brenda Taggart, do Instituto de Educação da Universidade de Londres. Com esse resultado, podemos entender qual é a principal função da Educação Infantil: desenvolver a socialização.

E as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil, publicadas pelo MEC em 2009, determinam que a maneira adequada para promover esse desenvolvimento são as brincadeiras e as interações.

Tudo ao seu tempo 

As crianças muito pequenas não estão preparadas para completar exercícios e listas, muito menos dominar conteúdos pré-determinados. Exigir isso antes da hora é prejudicial. “Experiências importantes e necessárias para o desenvolvimento das crianças estão sendo substituídas em nome dessa aceleração da escolarização”, alerta Tânia Fortuna, professora de Psicologia da Educação na UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul).

A lição de casa geralmente está associada a uma rotina estudantil mais formalizada e muitos pais se perguntam, com razão, se a escola infantil está certa em mandar atividades para casa. Eles se preocupam, pois a tarefa pode se tornar estressante e desanimadora, criando nas crianças até uma aversão aos estudos.

O problema não é a existência da lição de casa em si, mas se o formato e o conteúdo propostos são apropriados para a Educação Infantil. “A experiência nesta fase deve ser ligada à descoberta do mundo, do outro, da vivência e da brincadeira”, completa Tânia Fortuna.

Reunimos as principais dúvidas dos pais em relação ao tema e consultamos diversos especialistas para solucioná-las. Confira as respostas:

1. Deve haver lição de casa na Educação Infantil?

Os estudiosos não têm uma opinião só. Lourdes Atié, socióloga e especialista em Educação Infantil pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) acredita que a lição de casa não deve fazer parte da vida das crianças nesse período. “O que ela tem de fazer fará no universo escolar”, defende. Para ela, as crianças pequenas não têm maturidade para construir seu papel de estudante e aprender a disciplina de estudo. “A consequência é que acaba sobrando para os pais”, completa.

Na escola Estilo de Aprender, em São Paulo, os professores propõem de vez em quando atividades leves para serem desenvolvidas com a família, como leitura, desenhos e pequenas pesquisas. “Crianças de dois a cinco anos são muito novas para entrarem na rotina de exercícios formais da escola”, explica a Coordenadora Pedagógica da escola Julia Souto Guimarães Araújo.

O importante, na verdade, é avaliar se atividades propostas são adequadas. “O eixo da aprendizagem na Educação Infantil deve estar na brincadeira”, reforça Clélia Cortez, coordenadora Instituto Avisa Lá, em São Paulo. E a lição de casa também deve ter essa visão pedagógica: centrada em experiências lúdicas e na descoberta livre do mundo.

2. Existe idade certa para uma criança começar a ter lição de casa?

A professora Tânia Fortuna, da UFRGS acredita que as atividades para casa são produtivas mesmo entre as crianças menores. Os pais devem, porém, avaliar se elas fazem sentido para os pequenos. Assim, a lição faz a ponte entre a escola e a casa e estimula as crianças longe do ambiente escolar.

Na Educação Infantil do Colégio Porto Seguro, em São Paulo, as crianças do Infantil 5 (4 e 5 anos) já possuem lição de casa duas vezes por semana, uma para o dia seguinte e a outra para a semana posterior. Para a escola, é uma maneira de verificar se a criança dá conta das atividades ou se precisa de mais auxílio. “A gente acredita que a aula já pode ser complementada com a lição, é interessante que os alunos tenham esse espaço de reflexão em casa”, explica a coordenadora desta fase, Maria Fernanda Reis Balugani.

3. Como saber se as atividades propostas são adequadas para o desenvolvimento do meu filho?

A lição de casa deve estar sempre integrada com aquilo que a criança está aprendendo na escola e também deve ser compatível com a faixa etária dela. “Se a criança não é capaz de realizar a tarefa, não faz sentido mandar isso para casa”, aponta a professora de Psicologia da Educação Tânia Fortuna na UFRGS.

É preciso avaliar também a proposta da lição, se ela estimula a criança ou apenas exige que ela cumpra uma rotina de exercícios repetitivos e sem sentido. Atividades que cobram o domínio de algum conteúdo também são apontadas pelos especialistas como inadequadas, pois antecipam a escolarização da criança.

As atividades para a casa também não podem ser a “sobra da aula”. Isso é um sinal de que faltou planejamento por parte do professor. A lição deve ser enviada para casa com um propósito claro

4. Qual é a quantidade recomendada?

A capacidade de concentração das crianças pequenas é limitada. A professora de Psicologia da Educação Tânia Fortuna na UFRGS orienta que para as crianças de até 3 anos, as tarefas devem ser simples o bastante para ser completadas em menos de dez minutos. Para crianças de 3 a 5 anos, esse tempo não deve ultrapassar 20 minutos. “Uma escola que solicita muitas tarefas e que é “puxada” não necessariamente oferece o melhor ensino”, diz a professora.

5. Qual é a periodicidade ideal?

“As atividades não devem ser diárias, formalizadas, de maneira a deixar “pesada” a rotina do estudante”, atenta a coordenadora pedagógica da escola Estilo de Aprender, em São Paulo, Julia Souto Guimarães Araújo. Como geralmente a presença dos pais é solicitada, o prazo deve ser razoável para possibilitar a participação, incluindo, pelo menos um fim de semana.

6. Qual é a função das atividades enviadas para casa na Educação Infantil?

Toda lição de casa é uma ponte entre a escola e a casa. E na Educação Infantil isso é ainda mais importante. A lição dá oportunidade para que a criança possa falar com a família sobre o que está aprendendo. Clélia Cortez, coordenadora Instituto Avisa Lá, em São Paulo, explica que isso melhora muito o aprendizado das crianças, “além de ampliar o relacionamento dos pais com a escola”, explica.

As atividades, como pequenas pesquisas, desenhos e leituras de livros, também mantém o estímulo para que as crianças vivam em um ambiente que valoriza as brincadeiras e o imaginário infantil.

7. Como os pais devem participar das atividades enviadas para casa na Educação Infantil?

As crianças pequenas geralmente não conseguem se organizar sozinhas para fazer a lição de casa, por isso os pais devem ajudar, organizando o tempo e providenciando um local adequado, além dos materiais necessários. “O papel dos pais deve ser estimular e apoiar, o importante é estar junto e demonstrar interesse”, orienta Paty Fonte, educadora e especialista em pedagogia de projetos.

É comum os pais quererem segurar a mão da criança para ajudá-la na atividade, porém isso mais atrapalha do que ajuda. O principal alerta, que se repete para toda a vida escolar da criança, é: fazer com a criança é completamente diferente de fazer por ela.

A postura de pais que querem terminar logo a tarefa ou que, na ânsia de ajudar, acabam fazendo a lição da criança é muito prejudicial. “As crianças deixam de ter a oportunidade de aprender e os professores também perdem, pois não poderão avaliar a evolução do aluno”, explica a professora de Psicologia da Educação da UFRGS Tânia Fortuna.

8 . Os pais devem corrigir a atividade antes de enviar para a escola?

Não, pois isso impede o professor de acompanhar o real desenvolvimento do aluno. Se o filho perguntar se o que fez está correto, os pais podem valorizar o esforço e a dedicação, mas não entrar na discussão sobre certo e errado, até porque esse conceito na Educação Infantil não é fechado. Deixe claro que, se houver algum erro, ele aprenderá com o professor, na escola. A educadora Paty Fonte aconselha a usar esse momento para ensinar que o erro ou o não-saber não é ruim, pois aprendemos a partir dele. “A criança não pode achar que errar é grave ou ruim, se não ela crescerá com medo de errar, com medo de provas…”, completa.

9. Como deve ser feita a correção das atividades na escola?

Na Educação Infantil, a avaliação não ocorre de maneira fechada, restringindo-se a critérios de certo e errado. “Essas noções são construídas de forma gradual ao longo dos anos a partir do Ensino Fundamental 1”, observa a coordenadora pedagógica da Escola Estilo de Aprender, Julia Souto Guimarães Araújo.

10. O que fazer se a criança chora na hora de realizar essas atividades?

O choro é sinal de que há algo errado e os pais devem investigar a origem dessa frustração. Se o momento de aprender está se tornando uma tortura para a criança, ela pode criar uma aversão ao estudo. “O choro pode indicar uma dificuldade de aprendizagem, uma exigência além do que a criança pode cumprir, um excesso ou até mesmo uma dificuldade em enfrentar conflitos”, aconselha Clélia Cortez, coordenadora Instituto Avisa Lá, em São Paulo. A escola também pode (e deve) fornecer orientações sobre o tema. Procure a coordenação da escola sempre que houver um problema.

11. Como o assunto lição de casa pode afetar a escolha de uma creche ou pré-escola?

Para escolher uma boa escola, os pais precisam observar alguns critérios, e a maneira como a instituição lida com a lição de casa deve ser uma delas, pois reflete sua visão pedagógica. “Se a escola pensa a lição como único instrumento que proporciona um ensino consistente, ela pode incorrer no erro de se exceder nas tarefas de casa”, aponta a coordenadora pedagógica da escola Estilo de Aprender, Julia Souto Guimarães Araújo.

Para evitar conflitos com a escola, os pais precisam definir o que querem da escola e se perguntar: “o que eu quero que meu filho aprenda nesta idade?”.

A professora de Psicologia da Educação Tânia Fortuna acredita que se os pais buscam promover autonomia, criatividade e liberdade de pensamento, provavelmente eles não encontrarão isso em escolas conteudistas, centradas em desempenho, performance e ranqueamento. “Da mesma forma”, continua, “se os pais quiserem que o filho seja o primeiro lugar, poderão se frustrar com uma escola que prioriza a livre descoberta do mundo”, pondera.

Esse descompasso pode ser razão de reclamações futuras, como a de que a escola está mandando lição de casa demais (ou de menos), por isso a importância de considerar essas questões antes da matrícula.

12. Por que as brincadeiras são tão importantes nessa fase?

A especialista em Educação Lourdes Atié responde que “crianças pequenas devem aprender o que for compatível com o seu desenvolvimento. É pela brincadeira que elas entendem o mundo”, analisa. E ao professor, cabe mediar essa experiência, tentando sempre enriquecê-la.

A brincadeira desenvolve iniciativa, curiosidade, interesse, senso de responsabilidade individual e coletiva. “Quando brincamos de “como se fosse”, nos colocamos na perspectiva do outro, do herói, da mãe… Isso é muito importante”, diz a professora Tânia Fortuna, da UFRGS, coordenadora do projeto de extensão Quem quer brincar? , que valoriza o papel da atividade lúdica na Educação.

As crianças também aprendem a lidar com medo, inveja, ódio, raiva, fracasso e outras experiências psíquicas. “Por meio do brincar, consigo me colocar melhor no mundo, entender o que o professor ou o texto estão querendo me dizer e me posicionar diante disso”, continua. Para ela, “brincar é aprender”.


Profª Paty Fonte – diretora do site PPD – contribuiu para a matéria publicada em 20/03/2013 19:32  no site Educar para Crescer – Texto de Iana Chan . Veja o artigo completo

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