BNCC e o papel do professor, em relação à vivência das habilidades socioemocionais na sala de aula

Fiquei muito feliz quando li no texto introdutório da BNCC a proposta de espaços de aprendizagens inclusivos, sem preconceitos, que respeitem as diferenças e favoráveis ao pleno desenvolvimento intelectual, físico, social, emocional e cultural dos alunos.

O documento complementa estabelecendo um conjunto de dez competências gerais, as quais garantem oportunidades pedagógicas para este pleno desenvolvimento.

Como educadora emocional, acredito que aliado a outras ferramentas e estratégias, o professor pode realizar um trabalho intencional que promova o desenvolvimento socioemocional de seus alunos. Entretanto, em primeiro lugar, quem deve ser acolhido e orientado a este desenvolvimento é ele mesmo: o professor!

Cada um só pode dar o que tem. Por isso, é muito importante que os professores tenham momentos de acolhimento e participem de propostas para o próprio desenvolvimento socioemocional antes de lidar com as emoções de seus alunos.

Acontece com muitas mães, e também com muitas professoras, que não encontram uma maneira eficaz de ajudar a criança a resolver problemas que os levam a acessos de raiva ou choro incessante. Então, acabam também se exaltando e gritando.

O primeiro passo é compreender a importância de se educar as emoções e, para isso, é preciso identificá-las. Tal identificação perpassa pelo autoconhecimento.

Este processo inicial é com o professor. Daí a importância dos gestores oferecerem momentos para que sua equipe possa, realmente, se conectar com sua essência, conhecendo e respeitando as essências dos demais.

Quando os adultos trocam informações e energia, se reabastecem de força e segurança para agirem como multiplicadores e educadores emocionais.

É uma proposta que precisa de muito cuidado, sensibilidade e atenção.

Na sala de aula ocorrem ricas situações para um trabalho de equilíbrio emocional, mas é comum que os professores escolham horários específicos para o desenvolvimento socioemocional, sem se darem conta que não pode ser algo estanque da realidade.

Posso citar como exemplo a nona competência geral proposta pela BNCC: empatia e cooperação. Se pararmos para observar o espaço escolar desde o momento que os alunos entram na escola até a hora da saída, saltam aos olhos as oportunidades de desenvolver tais competências. Desde crianças excluídas das brincadeiras por seus amigos, aqueles que não compartilham material escolar, até professores que gritam, punem e são insensíveis às necessidades individuais de seus alunos.

Se isso ocorre, depois não resolve só apresentar um joguinho, contar história ou cantar uma música sobre empatia. Tais recursos são aliados a um processo real, vivo, e não contraditório.

Quando desenvolvi o método Despertar das Emoções pensei em ofertar ferramentas e recursos, mas nas oficinas com os professores debatemos sobre seus sentimentos e pensamos juntos como transformar a escola em um ambiente emocionalmente sadio.

Através do método visamos desenvolver o afeto, o amor pelo próximo, bem como a autorregulação em momentos difíceis, por meio da história e de músicas, jogos, brincadeiras e dinâmicas diversificadas. Porém, de nada adiantará uma aula na semana usando os recursos e o resto do tempo agindo ao contrário.

As crianças sentem a nossa verdade. Neste momento me lembro de Wallon, que em sua teoria da emoção, considera afetividade e inteligência fatores sincreticamente misturados, e defende que a educação da emoção deve ser incluída entre os propósitos da ação pedagógica.

É preciso salientar também a importância do brincar, já que cada vez se exige mais das crianças. Mais tempo sentadas, escrevendo, copiando, robotizadas.

Jogando, a criança aprende a conhecer e compreender o mundo social que o rodeia. Vygotsky afirmava que através do brinquedo a criança aprende a agir numa esfera cognitivista, sendo livre para determinar suas próprias ações. Segundo ele, o brinquedo estimula a curiosidade e a autoconfiança, proporcionando desenvolvimento da linguagem, do pensamento, da concentração e da atenção.

É tão importante deixar que as crianças brinquem! Através das brincadeiras elas aprendem tanto!

Isso tudo deve ser permeado pelo afeto. A afetividade está presente no ser humano e trabalhar com emoções é possibilitar a sua manifestação. Cabe aos educadores (professores e familiares) oportunizar para que as crianças tenham consciência de si mesmas, de suas intolerâncias, medos, alegrias, sonhos, mágoas, desejos, etc.

Para tal tomada de consciência é preciso identificar e reconhecer as emoções, em seguida, aprender a lidar com elas.

Muitos adultos não reconhecem e nem identificam suas próprias emoções, por isso agem de maneira impulsiva, agressiva, ansiosa ou não sabem lidar com seus medos ou com sua timidez. E tudo ficará mais fácil se apresentarmos, desde cedo, a oportunidade de consciência emocional.

O autoconhecimento é uma habilidade imprescindível para o desenvolvimento de qualquer pessoa. E tudo flui melhor quando começamos neste processo desde criança.

As escolas são grandes aliadas, pois habilidades socioemocionais, como empatia, colaboração, compaixão são coisas que a gente ensina. E muitas vezes, dependendo da realidade da criança, ela não foi ensinada porque os pais também não foram ensinados e isso se perpetua…

A infância é uma fase super importante das nossas vidas. Crianças educadas emocionalmente possuem um melhor entendimento de si próprias, o que reflete em suas relações interpessoais. Conseguem resolver melhor os conflitos, encaram situações e desafios de uma forma diferente, e, consequentemente, se tornam adultos mais seguros, autoconfiantes e bem sucedidos.

O quanto antes a inteligência emocional de uma pessoa é desenvolvida, mais facilidade ela terá nas relações interpessoais e consigo mesma. Agora, para compreender como trabalhar a aprendizagem socioemocional, é importante que a escola invista na qualificação profissional.

Se eu não entro em um processo de autoconhecimento, de autodesenvolvimento, se eu não tive uma educação emocional, não consigo gerenciar emoções, portanto, como vou ensinar isso às crianças?

A BNCC propõe que sejam trabalhadas as competências socioemocionais em sala de aula, mas tenho escutado relatos de professores completamente desamparados, sem saber como dar conta de si, que dirá como dar conta dos alunos. Sem ferramentas lúdicas apropriadas, sem uma preparação para trabalhar efetivamente as emoções com as crianças

Segundo Goleman: “Quem tem inteligência emocional geralmente é confiante, sabe trabalhar na direção de suas metas, é adaptável e flexível. Você se recupera rapidamente do estresse e é resistente”

E aí, você se acha inteligente emocionalmente? Você domina suas emoções ou elas dominam você? Sente-se apto a educar as emoções de seus alunos?

É normal não se sentir completamente preparado. Isso até é bom, nos incentiva a continuar no processo constante de desenvolvimento. Porém, é preciso passar confiança e segurança para a criança entrar também neste processo.

Vamos juntos despertar emoções?


Vivi Machado – palestrante, escritora, autora do livro infantil: “Bendito, o cão” e criadora do método Despertar das Emoções. Formada pela Sociedade Brasileira de Inteligência Emocional e especialista em educação emocional na infância. Instagram: @despertardasemoçoes

Artigo publicado originalmente na revista Escola Particular em janeiro de 2022.

 

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *